Saio de casa para contemplar o mar. Na verdade estou adiando o momento de escrever esta crônica.
O prazo da publicação me assusta. Já é sexta-feira e eu gostaria de estar inspirada e corresponder com êxito às expectativas dos leitores. Gostaria de ter idéias pitorescas sobre o tema desta coluna. Afinal, arte e cultura é um tema amplo que oferece um oceano de assuntos. Visava à superação de todas as minhas limitações a fim de deliciar meus leitores com um texto digno do tempo que dedicam a sua leitura. Sem mais nada para contar, sento na areia e me ponho a saborear o suave balanço das ondas. Não sou escritora, nem jornalista ainda. Muito menos uma especialista em arte. Estou sem nenhuma idéia. Lanço então um olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica, e que por um excessivo individualismo, por inúmeras vezes deixamos passar despercebida uma gama de acontecimentos irrisórios que fazem a vida ser mais digna de ser vivida.
A poucos metros de mim, um casal de negros acaba de armar suas cadeiras e sombrinhas de praia. Com eles duas menininhas de aparentemente quatro e dois anos de idade começam logo a construção de um castelinho de areia. A simplicidade e humildade deixam-se logo transparecer pelos trajes de banho simplórios, velhos até, e pelo jeitinho esquivo e compenetrado. Eram quatro pessoas aparentemente felizes que compunham a célula da sociedade. Aquele passeio devia ser a muito tempo esperado, posto os olhares brilhantes das crianças quando viram a imensidão e o azul do mar.
Passo a observá-los. O pai, depois de armadas as cadeiras, conta o dinheiro que discretamente tirou da bolsa de praia da esposa, vai até o quiosque em frente e compra duas águas-de-coco e as entrega às meninas. Contidas, elas absorvem suas bebidas bem devagar, como se estivessem economizando. Provavelmente, sabiam que aquela seria a única bebida que teriam até o final do passeio. A mãe retira da sacola de plástico transparente e brilhante dois baldinhos e duas pazinhas de brinquedos para as meninas brincarem na areia. Suspira, olhando para os lados, a assegurar-se da naturalidade da sua presença ali. O homem, carinhosamente, pega um vidro de protetor solar e passa na filha menor. A mulher limita-se a contemplá-lo com ternura e admiração.
Ansiosas para entrar no mar, as meninas dão pulos e gritinhos de excitação. O homem as acompanha enquanto a mulher aproveita para curtir o lindo sol que brilha alto no céu. Eu aproveito para dar um mergulho. Aquela água azul e límpida faz-me um convite tentador. Pai e filhas na água pulam de alegria. Preocupado com o perigo das andas para as meninas, as repreende quando se afastam dele. Satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso do programa familiar, o homem olha a seu redor a verificar se sua alegria está sendo observada. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, e ele constrangido abaixa a cabeça, vacila e depois torna a olhar-me e enfim abre-se num sorriso.
É com a doçura desse sorriso e a singeleza desse olhar que eu gostaria de escrever minha coluna dessa semana.
*Inspirado em A última crônica, de Fernando Sabino
O prazo da publicação me assusta. Já é sexta-feira e eu gostaria de estar inspirada e corresponder com êxito às expectativas dos leitores. Gostaria de ter idéias pitorescas sobre o tema desta coluna. Afinal, arte e cultura é um tema amplo que oferece um oceano de assuntos. Visava à superação de todas as minhas limitações a fim de deliciar meus leitores com um texto digno do tempo que dedicam a sua leitura. Sem mais nada para contar, sento na areia e me ponho a saborear o suave balanço das ondas. Não sou escritora, nem jornalista ainda. Muito menos uma especialista em arte. Estou sem nenhuma idéia. Lanço então um olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica, e que por um excessivo individualismo, por inúmeras vezes deixamos passar despercebida uma gama de acontecimentos irrisórios que fazem a vida ser mais digna de ser vivida.
A poucos metros de mim, um casal de negros acaba de armar suas cadeiras e sombrinhas de praia. Com eles duas menininhas de aparentemente quatro e dois anos de idade começam logo a construção de um castelinho de areia. A simplicidade e humildade deixam-se logo transparecer pelos trajes de banho simplórios, velhos até, e pelo jeitinho esquivo e compenetrado. Eram quatro pessoas aparentemente felizes que compunham a célula da sociedade. Aquele passeio devia ser a muito tempo esperado, posto os olhares brilhantes das crianças quando viram a imensidão e o azul do mar.
Passo a observá-los. O pai, depois de armadas as cadeiras, conta o dinheiro que discretamente tirou da bolsa de praia da esposa, vai até o quiosque em frente e compra duas águas-de-coco e as entrega às meninas. Contidas, elas absorvem suas bebidas bem devagar, como se estivessem economizando. Provavelmente, sabiam que aquela seria a única bebida que teriam até o final do passeio. A mãe retira da sacola de plástico transparente e brilhante dois baldinhos e duas pazinhas de brinquedos para as meninas brincarem na areia. Suspira, olhando para os lados, a assegurar-se da naturalidade da sua presença ali. O homem, carinhosamente, pega um vidro de protetor solar e passa na filha menor. A mulher limita-se a contemplá-lo com ternura e admiração.
Ansiosas para entrar no mar, as meninas dão pulos e gritinhos de excitação. O homem as acompanha enquanto a mulher aproveita para curtir o lindo sol que brilha alto no céu. Eu aproveito para dar um mergulho. Aquela água azul e límpida faz-me um convite tentador. Pai e filhas na água pulam de alegria. Preocupado com o perigo das andas para as meninas, as repreende quando se afastam dele. Satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso do programa familiar, o homem olha a seu redor a verificar se sua alegria está sendo observada. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, e ele constrangido abaixa a cabeça, vacila e depois torna a olhar-me e enfim abre-se num sorriso.
É com a doçura desse sorriso e a singeleza desse olhar que eu gostaria de escrever minha coluna dessa semana.
*Inspirado em A última crônica, de Fernando Sabino
7 comentários:
"A doçura desse sorriso e a singeleza desse olhar" foram vistos pela leitora aqui durante a leitura do texto!
Obrigada! Também estava precisando encontrar algo assim!!!
Sensacional
e o veneno toma contornos de doçura e singeleza.
bela sacada no texto. Valeu Simone!
Legal, Simone. A felicidade está nestes momentos mais simples da vida!!!
Simone, querida, como sempre adorei seu texto.
Singelo e delicado, ele nos remete à simplicidade das coisas. Um olhar, um sorriso...talvez seja tudo que precisamos.
:)
:**
o texto!
Lindo, Simone.
Doce e lindo.
adorei.
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