domingo, 27 de maio de 2007

Ave Franklin! Por BruneLLa Wyvern.

A era pós-todasascoisas...

A expressão modernidade líquida é uma metáfora criada pelo sociólogo francês Zygmunt Bauman para definir o período histórico que vivemos. Alguns preferem pós-modernidade, outros, pós-industrial ou ainda pós-cultural. Não existe consenso entre os teóricos. A expressão cunhada por Bauman é utilizada ou serve de pano de fundo ou permeia discussões, fóruns, seminários, debates acerca de diversos campos do saber. Esse conceito de fluidez da modernidade, porém, deve ser relativizado.

Uma pausa: não estou dizendo que Bauman não relativiza seu conceito, porque ele o faz. O que há de errado então? O problema está na apropriação indiscriminada do termo modernidade líquida por grande parte de debatedores, pensadores, teóricos que se esquecem dos mas, poréns e todavias. Na visão deles, parafraseando Hemingway, a modernidade líquida é uma festa.

Para aqueles que têm cartões de crédito, contas bancárias com alguns zeros à direita na cifra, a realidade pós-todasascoisas e vivida em sua plenitude. Independente da classe social, sente-se a necessidade de consumir como forma de afirmação social e garantia de auto-estima. Os países são vistos apenas como mercados consumidores e o poder de compra garante a posição que se ocupa na sociedade. (Alguém ainda não acredita que vivamos na sociedade do hiperconsumo?)

Mas e os meros mortais? Prefiro dizer que vivemos (eu me incluo aí) em uma modernidade plasmática. Não abandonamos totalmente aquele estágio inicial da modernidade (sólido), nem alcançamos plenamente o estágio pós (líquido).

Isso sem contar aqueles que ainda nem saíram da Idade Média, vivendo sem qualquer acesso a tecnologias já superadas em plenos séculos XIX e XX. É fato: em nações da África e da Ásia as carroças de boi são principal meio de transporte e de carga. Enquanto no Japão a expectativa de vida já ultrapassa os 80 anos de vida, em Serra Leoa ela é de 37 anos, segundo dados fornecidos pela Organização das nações Unidas (ONU).

A Comunicação Social, enquanto campo do saber, não poderia ficar de fora da discussão. Acompanhando as palestras desenvolvidas no Seminário Internacional A constituição do Comum, realizado em Vitória, de 21 a 25 de maio, o clima de oba-oba ao redor da modernidade líquida (conceito utilizado superficialmente) era claro. Os maiores entusiastas são os defensores da Internet, ou Web 2.0 – como queiram, a garota propaganda do era pós, como promotora de uma revolução cultural.

A interatividade, a constituição de um espaço aberto para discussões, a polissemia de discursos encontrada na web são realmente incríveis. Mídia independente, universo dos blogs, wiks, Orkut, jornalismo participativo, mídias colaborativas são uma realidade. Mas fazem parte apenas do universo daqueles que TÊM acesso a ele.

Um exemplo: no Brasil, temos 50 milhões de internautas. Um número bastante significativo para o total de 180 milhões de habitantes. Há de se pensar, portanto, que com tal número de usuários a tão proclamada revolução cultural pela web, especialmente pelos blogs, é uma curta questão de tempo. (Estamos bem distante da maioria, mas os 130 milhões de excluídos são mero detalhe).

É preciso muito cuidado com os discursos entusiásticos. Dos 50 milhões de internautas, apenas 5% acessam ou se interessam por conteúdos culturais na web. Reduzimos nossos revolucionários para 2,5 em 180 milhões. Uma queda considerável.

Se quisermos um exemplo global, podemos usar um dado da ONU: a ilha de Manhattan tem mais computadores que todo o continente africano (Se alguém resolver mexer os dedos no teclado para dizer que é porque a ilha de Manhattan tem mais habitantes que a África é melhor não se manifestar!).

Que revolução é essa que exclui a maioria?

Não é possível negar que transformações importantes estão acontecendo, vindas principalmente do domínio virtual, considerado mais livre, mesmo libertário. Mas a festa de luzes e neon em torno de mudanças que se delimitam aos incluídos digitalmente está obscurecendo o lado social das discussões. As desigualdades sociais estão AUMENTANDO, dois terços da população mundial continuam sofrendo endêmica ou epidemicamente do flagelo da fome. Milhões de pessoas necessitam do coquetel que atua no tratamento da AIDS e uma parcela mínima tem acesso a ele, pois esses desvalidos não interessam ao poderio neo-imperialistas.

É preciso um pouco mais do que um software para pensar mudanças estruturais nessa sociedade capitalista (hiperconsumista e excludente – desculpem a redundância, mas é preciso enfatizar) que aí está.

Vivemos a mais recente fase do processo de globalização iniciada em 1989 com a queda do muro de Berlim, símbolo da vitória do capitalismo sobre o socialismo e fim da bipolaridade global. Assistimos a um processo de integração econômica sob a égide do neoliberalismo no qual predominam os interesses financeiros, o interesse dos agentes financeiros, a desregulamentação dos mercados, as privatizações de empresas estatais e, infelizmente, o descaso ao bem-estar social. O mercado está acima da autonomia dos países e influencia na governabilidade de muitas nações, exercendo também uma dominação cultural e de informações. Independente da classe social, sente-se a necessidade de consumir como forma de afirmação social e garantia de auto-estima, pois os países são apenas mercados consumidores e o poder de compra garante a posição que se ocupa na sociedade.

A era pós-todasascoisas não é uma festa!

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