“FIQUE RICO OU MORRA TENTANDO” CAPIXABA
A história do surgimento do hip-hop no Brasil (e nos EUA) denota seu caráter de cultura de resistência, ou seja, afirma a autenticidade de um movimento proveniente da periferia que, assim como o samba, aos poucos é legitimado pela mídia.
Batizados de DJ, rapper, break e grafite são os elementos do hip-hop, manifestação de origem norte-americana que chegou ao Brasil no começo da década de 1980 e encontrou por aqui um terreno fértil para se desenvolver. Inicialmente despercebido pela maioria do público, o movimento caiu nas graças da juventude das periferias das grandes cidades, que virou tudo pelo avesso e criou uma expressão com cara e alma brasileiras.
A situação é considerada uma verdadeira heresia pelos puristas, defensores da idéia de que o hip-hop deve preservar o estilo difundido pelos americanos, apenas adequando-se à língua e à realidade social de cada país.
O rapper capixaba Renegrado Jorge, um dos mais antigos membros do movimento local, acredita que “se a gente deixa, daqui a um dia a capoeira vai se misturar também com o rock metal. Daqui a pouco vai se misturar congo com balé e a originalidade vai desaparecer”.
Mas os liberais relembram que a própria origem do movimento foi o cruzamento da arte urbana dos Estados Unidos com componentes da tradição cultural do Caribe, mais especificamente a dança de Porto Rico e o som da Jamaica, de onde vários artistas emigraram para Nova York nos anos 60. Além desse argumento, os que defendem a abertura destacam que no mundo globalizado, onde todas – ou quase todas – as culturas se entrelaçam, é natural que a expansão do hip-hop faça com que ele influencie e seja influenciado.
As culturas marginais, tal como o samba, surgem primeiro nas periferias, no ambiente das “fábricas”, onde pessoas cansadas do modo de vida sem perspectiva e das imposições da sociedade, tendo sua posição social já marcada, vêem na manifestação cultural a fuga, um lugar no qual elas podem ser elas mesmas.
Como sugerem Armand Mattelart e Erik Neveu, grandes nomes dos Estudos Culturais, os sistemas de valores de uma cultura, ou seja, as representações que eles encerram levam a estimular processos de resistência. Para o professor de Literatura Brasileira da UFES Jorge Nascimento “o mais interessante é ver a garotada querendo rediscutir as verdades que são colocadas pela mídia”.
O discurso característico dos integrantes deste grupo trata-se, ao mesmo tempo, de uma declaração de independência, de intenção de mudança e de uma recusa ao anonimato e a um estatuto subordinado.
Embora o cunho de resistência ao sistema esteja impregnado, não há como negar a vontade de ascensão social de quem vive pela arte, mesmo que seja o hip-hop. “Pra viver bem de música, poder ter uma vida decente. Poder ter a sua casa legal, e tal. Sustentar a minha filha que eu tenho também, eu tô pra dizer que tá caminhando”, diz o rapper J3, pois viver de música é difícil.
Mesmo o purista Renegrado Jorge sonha com a melhora de vida por meio do seu rap. “E eu vivo através do hip-hop, pago meu aluguél, sustento meus filhos e sempre comprando uma parada diferente, sempre produzindo um som. E vou vivendo do hip-hop. Pra ver se um dia compro até um Opala melhor”.
Já DJ Gordinho, que desde os 13 anos toca para juntar dinheiro e comprar novos discos para sua coleção, ao indicar a agulha G-80 como boa e barata, diz não poder comprar uma de 400 reais. “Um dia será que eu vou poder comprar uma agulha de 400 reais? Quem sabe?”, indagou.
A vontade de viver melhor por meio de sua produção intelectual pode ser o fim da autenticidade, da resistência, se o conteúdo das letras do rap, por exemplo, perder o cunho contestador. Por outro lado, grupos como o Racionais MC’s vendem centenas de discos, mesmo estando fora do mainstream das grandes gravadoras multinacionais. Assim, não se pode dizer que eles “venderam a alma” para o mercado.
E para falar de diferença temos que falar de identidade, conceito discutível em tempos de globalização. Ver grupos musicais fazerem sucesso fora do caminho dos “jabás” e da pasteurização nos é estranho, pois somos levados a supervalorizar a visão de uma produção cultural como resposta explícita às claras expectativas de classes ou de grupos de consumidores. Resumindo, um produto deve ser igual ao outro.
O MC, o DJ, o B.Boy, o Grafiteiro e os produtores negros, para ganharem a vida com o hip-hop, devem deixar sua arte perder identidade e ganhar dinheiro ou manter o discurso periférico e serem mandados para o olho da rua pelo patrão capital?
Um comentário:
Rapaziada vai aí meu agradecimento pela publicação da matéria. Realmente é um obrigado bem atrasado, mas só fiquei sabendo agora. Valeu!
Ass: Luiz Eduardo.
Postar um comentário