Na hora da novela ele decidiu morrer sozinho no quarto, com as janelas abertas para não parecer suicídio de artista. Pensou na esposa na sala e nos três filhos brincando com o computador. Como um velho blues ele pulou os telhados e fez curativos em todos os machucados que a vida – esta piranha – lhe ofereceu: cabeça de João em bandeja de prata. Deitou. Virou de lado. Lobos uivavam em seus ouvidos. Labirintite, com certeza. Ajeitou o travesseiro e ficou olhando um pedaço do céu que se entregava pela janela.
“Antes do fim da tarde”
Antes do fim da tarde apenas os mais tristes, como eu, sobrevivem impunemente e os dias contam sempre as mesmas histórias que bêbados e desesperados já conhecem desde sempre, é apenas o coração do leviatã a que chamamos vida, ora direis as marcas de batom, os cílios pintados, as descoloridas manchas do amor, os quartos pequenos e sujos e quentes dos acanhados hotéis por onde andamos e deixamos pedaços de nossos corpos como se assim sempre fosse, como se navegar também, esqueçamos então e vamos partir para o esquecimento cinza dos velhos blues, a desesperança estampada em nossas caras, pobres crianças assustadas, tentando adivinhar de onde vem o próximo tapa, as novas doenças, somos pencas de pequenos anjos que não se cansam de cair de incômodo céu, temos então as estranhas nuvens, ansiamos, meu pequeno amor, por infernos mais profundos, pântanos mais escuros, mulheres de negro mais intenso, mares dantescamente nunca navegados, não há nada a fazer, nada a temer, somos alvos de tolos deuses, esses chatos que brincam de autorama e então está tudo bem, estamos felizes mergulhados na insignificância do existir ou seja lá que merda é esta a nos envolver como uma grande, pálida e incomensurável distância que nunca, nunca percorreremos e sentamos, enfim, olhos fixos na lâmina do afiado punhal a nos guiar, gado amarrado, pendurado como gente em caminhão, estradas vermelhas do centro-oeste deste país, bandidos a espera da bala perdida e certeira que nos perfurará o peito como trem japonês, descansemos então, pequena criança: o céu despeja jato de tinta negra sobre nossas cabeças.
Antes do fim da tarde apenas os mais tristes, como eu, sobrevivem impunemente e os dias contam sempre as mesmas histórias que bêbados e desesperados já conhecem desde sempre, é apenas o coração do leviatã a que chamamos vida, ora direis as marcas de batom, os cílios pintados, as descoloridas manchas do amor, os quartos pequenos e sujos e quentes dos acanhados hotéis por onde andamos e deixamos pedaços de nossos corpos como se assim sempre fosse, como se navegar também, esqueçamos então e vamos partir para o esquecimento cinza dos velhos blues, a desesperança estampada em nossas caras, pobres crianças assustadas, tentando adivinhar de onde vem o próximo tapa, as novas doenças, somos pencas de pequenos anjos que não se cansam de cair de incômodo céu, temos então as estranhas nuvens, ansiamos, meu pequeno amor, por infernos mais profundos, pântanos mais escuros, mulheres de negro mais intenso, mares dantescamente nunca navegados, não há nada a fazer, nada a temer, somos alvos de tolos deuses, esses chatos que brincam de autorama e então está tudo bem, estamos felizes mergulhados na insignificância do existir ou seja lá que merda é esta a nos envolver como uma grande, pálida e incomensurável distância que nunca, nunca percorreremos e sentamos, enfim, olhos fixos na lâmina do afiado punhal a nos guiar, gado amarrado, pendurado como gente em caminhão, estradas vermelhas do centro-oeste deste país, bandidos a espera da bala perdida e certeira que nos perfurará o peito como trem japonês, descansemos então, pequena criança: o céu despeja jato de tinta negra sobre nossas cabeças.
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